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UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

4º Vestido

Atualizado: 20 de set. de 2019


(continuação da crônica 3º Vestido)

A lição que eu aprendi com o 4º vestido da minha lista de convites de madrinha de casamento foi: Nunca minta. Mas se mentir tente manter o pensamento positivo que às vezes as coisas podem dar certo.

[Nossa, essa lição é péssima. Eu devo ter aprendido algo melhor e só não estou lembrando no momento...]


O 4º casamento que eu tive a honra de participar como madrinha foi do meu amigo Coxinha.


Antes que você se pergunte, o apelido dele não tem nada a ver com a sua orientação política. Ele ganhou esse apelido quando éramos adolescentes e eu comprei uma coxinha, meu almoço do dia, e ofereci para o pessoal perto por educação, ele não só aceitou como dissimuladamente a comeu quase inteira. Ele deixou só um pedacinho de massa, mal alimentava meia mordida, mas ao menos era a minha parte favorita - coisa que ele ainda não sabia, então não foi bem uma consideração da parte dele.


Havíamos o conhecido naquele dia.


Falei mal do Menino da Coxinha por eras, até que um dia eu descobri que ele só estava tentando ser engraçado e, apesar da fome não ter me deixado perceber isso na época, foi mesmo. Poderíamos ter vivido perfeitamente sem essa situação na nossa história, mas MUITOS ANOS depois eu sempre dou risada lembrando da falta de noção dele e ainda mais da minha por ter me tornado amiga dele.

Tão amiga que ele me convidou para ser sua madrinha e oradora do brinde por parte do noivo no seu casamento.


Mais uma vez, nós, madrinhas, usaríamos vestido cor de esmeralda. Vou ser sincera, cogitei sim usar o mesmo que usei no casamento da Bia Yumi, que havia acontecido no ano anterior, mas eu ainda não tinha feito as pazes com a ideia dele ter sido a "cópia de um vestido que eu não consegui comprar" e eu ainda me sentia pobre quando eu o olhava, o que não era nada condizente com o ano de 2016 que, grazie a Dio, eu já vivia uma fase de vacas gordas.


EU ESTAVA RYYYYYCA!


[...Para os meus padrões de vida até então, né. Eu tinha consciência disso, ao menos nesse sentido os meus pés estavam no chão.]


Precisava usar algo que gritasse o saldo positivo na minha conta bancária.


Eu devia ter economizado? Devia.


Mas não economizei.


Ao invés eu decidi que finalmente iria comprar um vestido que refletisse a minha recente ascensão.


MAAAAAS eu só havia enriquecido porque afinal eu estava trabalhando que nem um camelo e não tinha mais tempo para várias coisas, como comprar o vestido pro casório do Coxinha e escrever o brinde. E ao invés de tomar boas decisões e organizar melhor o meu tempo eu escolhi mentir e falar que estava tudo "Ok!" quando uma semana antes da celebração ele veio se certificar de que eu não ia dar uma de Karen e esquecer de tudo.

"Claro que eu comprei o vestido... Verde. Esmeralda. Médio, pouco abaixo do joelho. Como vocês pediram... Bem... Lindo. Cheio de Lantejoula. Minha cara. E você achando que eu ia esquecer, né?"


Na hora que eu estava mentindo parecia uma boa ideia dar detalhes, porque afinal "Quem dá detalhes quando tá mentindo?", mas só atrapalhou mais a minha busca pelo vestido. "Qualquer vestido verde tá bom. Depois eu bordo umas lantejoulas..."


BORDO QUANDO se eu não tinha tido tempo nem pra comprar o vestido?!


Falei isso procurando o bilhete único pra correr em direção à Rua José Paulino, meu reduto de compras de vestidos festivos. Cheguei com quase tudo fechando e consegui não encontrar NEM UM vestido verde esmeralda.


E assim passei a última semana antes da cerimônia batendo cartão nos shoppings de São Paulo.


Achei tudo o que eu precisava para a minha casa que eu não tinha encontrado antes (um pouco também porque eu não tinha procurado), mas nada de um vestido verde.


Uma coisa doida é que, eu em nenhum momento cogitei a possibilidade de não achar nada. Eu permanecia na fé de que logo eu encontraria um vestido que se encaixassem no que eles pediram e no que eu havia mentido. Mentalizava e esperava o momento certo chegar.


Fui no Shopping Morumbi, Market Place, Jardim Sul, Cidade São Paulo, até que no último dia antes de viajar para Lorena para o casamento, o desespero me levou pro milagroso Shopping Eldorado.


"Universo, esse momento precisa ser agora. Não castigue um dos dias mais incríveis na vida de uma das melhores pessoas que eu já conheci na vida (mesmo comendo a minha coxinha), só por causa da minha irresponsabilidade. Ele merece mais. Por favor, cadê esse vestido?"


Era sempre tão fácil culpar o destino do que as minhas escolhas.


Eu tinha meia hora antes do shopping fechar e a pressão fez parecer mágico um vestido verde esmeralda na promoção pela bagatela de pouquíssimo menos da metade do meu salário estar em destaque na vitrine de uma loja.


"Verde. Esmeralda. Médio, pouco abaixo do joelho. Como eles pediram... Bem lindo. Cheio de Lantejoula. Minha cara!!!!!!"


Eu ainda acredito que foi cósmico, apesar de muito caro.

E, sério, eu sei que tem algo muito errado nesse pensamento, mas eu realmente acho que foi ainda mais mágico porque em qualquer outra época da minha vida aquele vestido seria financeiramente inviável, mas exatamente naquele ano ele só era "extremamente caro, mas parcelável". Eu não gastava com aluguel o que eu gastei com aquele vestido. E, veja bem, nem era assim tããão lindo (o que também não justificaria), mas era igualzinho o que eu havia descrito quando menti e a beleza era mais do momento do que do caimento do vestido.


...MAS AINDA TINHA O BRINDE.


E enquanto a madrinha que falaria em nome da noiva dizia o seu brinde escrito com planejamento, anotado no celular, eu só pensava "Que eu não gagueje, que eu não chore, que eu não caia... E que se eu chorar, que o meu nariz não escorra."


E o Universo gosta mesmo do Coxinha porque sei lá como, eu, que não sou nem um pouco boa falando sentimentos do fundo do meu coração, consegui dizer com espontaneidade, emoção e sinceridade um brinde que me rendeu até uma certa popularidade entre os parentes dos noivos. Uma senhora inclusive veio me dizer que o que eu disse a fez pensar muito e que ela estava feliz que jovens já soubessem de coisas que ela levou muitos anos para entender e que "pessoas da idade dela" ainda não haviam entendido.


"Você devia trabalhar com isso..." Ela disse.


"Trabalhar com o que? Com brindes de casamentos?"


"Sim. Não. Não sei. Com isso... De ajudar as pessoas a verem o que elas já sabem. Tenho certeza que muita gente vai sair daqui inspirada em ser sincera com elas mesmas."


E aqui estou...


Não sei se estou ajudando alguém, além de mim mesma, a ver algo que já sabia, mas eu repito: não minta.


[...Mas se mentir mantenha o pensamento positivo. Tá bom, acho que foi essa lição mesmo que eu aprendi. Não é bom mentir, mas se fizer, tente não deixar isso definir você. Aprenda com todas as mentiras que você disse, nela está escondido algo que você não quer aceitar.]


Apesar de tudo ter dado tão certo no casamento do Coxinha, de ter sido ainda melhor do que eu poderia ter planejado, tanto o vestido, quanto o brinde e todo o momento da celebração, a mentira é uma culpa que carregamos mesmo nas coisas mais pequenas. Além disso, a minha falta de planejamento fez com que, ao comprar um vestido caríssimo de última hora, eu tivesse que abrir mão de um sofá que teria sido extremamente útil na minha casa quando eu estava de mudança...


...E, por quase todo o ano seguinte, toda vez que eu sentava no chão para ver a TV eu invejava a Karen que eu sabia existir em um plano paralelo que foi para o casamento do Coxinha com um belo vestido comprado com antecedência, com o preço mais acessível e que fez um brinde ainda mais incrível do que o que eu, Karen desse plano, havia feito e que, dias depois, estava sentada em um sofá, feliz com a sua própria responsabilidade pensando em coisas mais interessantes do que "Cara, como esse chão é duro, frio e desconfortável.".


E é isso...


Invejar quem você podia ter sido é o ápice do reconhecimento da sua necessidade de mudança. Você pode continuar mentindo, se quiser, ou ser a pessoa que você sabe que só você pode ser e que vestido nenhum vai poder gritar no seu lugar: você não é o seu saldo bancário, você é as escolhas que você faz.


[Ok. Esse aprendizado, que eu nem sabia que eu já sabia (e nem to dizendo isso por causa da senhora que falou comigo no casamento...), é bem melhor do que "se mentir, mantenha-se positivo". E se você não compreendeu, releia. Acabei de ter um fisgo de sabedoria e nem eu mesma esperava!].





...Toda essa preocupação com o vestido para, no fim, parecer que eu estava pelada no vídeo do brinde.






Que por sinal, aproveitei a oportunidade pra fazer um Ted Talk e compartilhar a minha sabedoria...




...E a melhor parte:

fiz um dueto comigo mesma em um uma linda homenagem cantando Ain't No Mountain High Enough fazendo a voz fina na parte do Marvin Gaye...




...E a voz mais fina ainda na parte da Tammi Terrell!

I-N-E-S-Q-U-E-C-Í-V-E-L





(brincadeira)

Se eu tivesse cantado teria sido mesmo inesquecível, mas tive o bom senso de resistir a tentação de cantar e só agradeci por tudo que eles me ensinaram sobre amor e elogiei a inteligência afetiva que eles possuem <3


E essa foi a reação deles assim que eu encerrei meu discurso emocionante

(dei um print screen no vídeo do momento seguinte ao que eu me despedi de todos)


Pela cara do Coxinha eu arranquei lágrimas deles por motivos distintos dos que eu esperava




E acima, imagem do meu vestido cheio de lantejoulas exatamente como eu menti



E, por fim:


Página de descrição dos padrinhos no site de casamento do Coxinha e da Mary

EU MUITO DEVIA TER CANTADO NO CASAMENTO DELES!

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[ADENDO:


Muito obrigada Coxinha e Mary por tudo que me ensinaram na vida sobre amor, comida e amizade! <3

Eu não me canso de dizer o quão inteligente eu considero a forma de se relacionar de vocês. Eu admiro a sinceridade e coragem que vocês possuem para viver a relação que vocês desejam por tantos anos, superando a fase hormonalmente horrorosa da adolescência e cheia de perrengues da vida adulta.]

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