top of page

UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

Temaki

Atualizado: 12 de nov. de 2020

Ontem foi um dia atípico.


Primeiro tivemos um mistério meio Sherlock Holmes no trabalho com um cliente fantasma, que pode nunca ter realmente existido. E logo após o trabalho eu tinha combinado com a minha irmã de irmos juntas a uma palestra que ela foi convidada.


Como estou com um aparelho celular que só me permite ter dois aplicativos por vez e eu não escolhi nenhum aplicativo de transporte, tive que pedir ajuda para a minha mãe solicitar um táxi para mim. Eu estava sozinha, já estava meio escuro e o movimento meio escasso, resolvi aguardar o táxi em um ambiente mais movimentado e acolhedor, escolhi a Cobasi* na Av. Giovanni Gronchi.


Estava eu lá na porta com o celular procurando a numeração do prédio quando surgiu um moço de bicicleta meio afobado, falando alguma coisa que não entendi logo de cara porque eu ainda prestava atenção na minha mãe falando do outro lado da linha. Foi só quando ele mexeu no casaco para tirar algo que eu comecei a ignorar minha amada mamis para prestar atenção no que ia acontecer ali.


Eu já estava tensa, respiração ofegante, quando TCHARÃ: o moço tira um mini-mini-mini gatinho preto de patinhas brancas e coloca no meu braço "Você está entrando aí? Deixa com eles? Cuida, por favor?"


"Oi? O que é isso? Que aconteceu?" Eu estava meio aliviada que era um gato, mas também não estava entendendo muito aquilo andando em mim. Eu REALMENTE pensei que aquilo podia ser uma nova estratégia pra me fazer segurar o gatinho e soltar o celular.


O moço respondeu: "Tinham dois gatinhos na rua, mas o carro atropelou um e aí consegui salvar esse e trouxe aqui. Muito obrigado!"


Ele falou já saindo.


Foi tudo muito rápido. Essas frases todas não devem ter levado 2 segundos para serem ditas e eu respondi "Cuido sim." – mas totalmente no reflexo (meus reflexos são péssimos e sempre me fazem tomar as decisões mais ingênuas).


O gatinho começou a entrar no meu casaco quando me toquei que a minha mãe estava berrando do outro lado do celular "KAREN, QUE ACONTECEU? RESPONDE! VOCÊ NÃO PODE MAIS CUIDAR DE NENHUM GATO! KAREN, QUAL O NÚMERO DAÍ? SUA IRMÃ TÁ ESPERANDO! KAREN, CÊ TÁ VIVA?"


Entrei na Cobasi, pedi o número do prédio para uma funcionária, respondi minha mãe, desliguei e contei a situação do gatinho – tudo no automático.


"Aqui a gente não aceita animais, não."


"Eu sei, mas não tem alguém que vocês possam ligar? Alguma ONG?"


"Só tem uma moça que às vezes aparece de terça, mas hoje não tem não. Vai ter que levar com você!"


"Moça, eu não posso. Estou indo para uma palestra e eu já tenho duas gatinhas em casa. O gatinho pode ficar ao menos essa noite em algum lugar seguro aqui e amanhã eu venho resolver isso mais cedo?"


"Não. E se você deixar aqui eu vou te denunciar porque abandono de animal é crime."


Enquanto isso o gatinho já tinha explorado todo o meu casaco e mastigado metade do meu cabelo.


Resumindo: por 5 minutos ficamos nesse diálogo vai e volta até eu ficar ali parada na porta com o gatinho me olhando todo fofinho e eu tentando não olhar de volta, pensando que eu não podia levar o gatinho comigo, mas eu também não podia deixá-lo ali. Aparecia gente perguntando o que estava acontecendo, mas ninguém podia ajudar. Eu já estava chamando de "meu amor" e pensando em que nome de comida eu ia dar pro animalzinho que combinasse com aquelas patinhas brancas.


Aí minha mãe mandou mensagem.

Eu tinha pouco tempo.


Bateu a racionalidade que eu não tenho como ter outro gatinho e implorei mentalmente para o universo me ajudar a encontrar alguém para cuidar dele, quando... TCHARÃ 2: uma outra funcionária da Cobasi me viu lá na porta parada com uma expressão provavelmente não comum e perguntou o que estava acontecendo.


"Você está doando esse gatinho?"


"Acho que sim! Preciso encontrar um lugar pra ele ficar!"


"Que perfeito! Esses dias mesmo a minha sogra comentou que desejava um!"


Por 1 segundo eu fiquei feliz.

Mais 1 segundo e eu parei pra pensar.


Eu sei que não estava em condição de selecionar "cuidadores" pro gatinho, mas eu também pensei que ele era pretinho e que recentemente uma amiga adotou um gatinho preto porque são os que as pessoas mais fazem maldades.


"Pô, mas ela trabalha na Cobasi, deve gostar de animais" Eu pensei.


Mas eu já ando tão sem fé no mundo que me respondi com meu lado teorias da conspiração "E SE ELA TRABALHA AQUI SÓ PRA PEGAR GATINHOS E FAZER MALDADES SEM NINGUÉM SUSPEITAR?"


Mal concluí o pensamento, nem precisei verbalizar, uma outra funcionária que veio ver o que estava acontecendo falou:


"Você não podia deixar com ninguém melhor! Essa aí sempre que vê um animalzinho quer levar pra casa, finalmente aconteceu! Essa aí ama mais os animais do que gente!"


E aí a própria Marcilene (ou Marilene, foi tudo tão emocionante que eu não lembro o nome dela) disse:


"Na verdade é pra minha sogra, né? Mas se ela não quiser, ou não conseguir cuidar, fica comigo mesmo. Já tenho uma gatinha, vai fazer companhia! Vou avisar meu marido que hoje não volto de ônibus! Pode ficar mais tranquila. Qualquer coisa eu sou a Marcilene (ou Marilene) e eu fico ali no setor de aves, sempre que você quiser saber do gatinho, passa lá!"


E o dia continuou atípico, muitas, muitas, muitas coisas menores aconteceram, mas a sincronia de tudo nesse dia foi espetacular. Foi a terceira ou quarta vez que algo assim aconteceu tão instantaneamente. Eu pedi e aconteceu.


Ontem deu tudo certo.


Ajudei um gatinho a encontrar um lar.


Ajudei o moço que estava pedalando tudo torto, tentando coordenar como andar em uma avenida movimentada sem morrer enquanto resgatava um gato extremamente serelepe.


Ajudei a mim mesma a lembrar que tem dias que estamos "no lugar errado na hora errada", mas também há dias que estamos "no lugar certo na hora certa".


Eu vi uma cadeia gigantesca de amor e bondade ali e fiquei muito feliz de fazer parte. Vi um coletivismo espontâneo e uma dependência em confiar no outro sem saber realmente o fim da história. Essa "confiança" foi a única ponta solta que estava quando saí dali.


Na palestra ainda, por fim, vimos a história do Delfino Golfeto, fundador da Cachaçaria Água Doce que estava lá contando como seu negócio surgiu e cresceu e ontem celebrava 25 anos da sua primeira franquia em Ourinhos. A minha irmã mais velha ficou bff da esposa dele – a história dos dois é bem bacana (tão boa quanto a história da Cachaçaria) – e no final a esposa dele, depois de nos contar a sua própria trajetória, ainda disse "Vocês precisam estar com alguém que vocês confiam. Confiança é a base dos bons relacionamentos. É dar o seu melhor para dar certo e acreditar que o outro também está dando o seu melhor."


Tá, que ela falou isso com relação ao casamento dela com o Delfino, mas eu ouvi como se fosse o nó final na história do gatinho (que eu apelidei de Temaki, porque tinha patinhas e boquinha brancas como o arroz, com narizinho rosado que nem um salmão e o resto do corpinho preto como nori).


A gente tem que confiar pra ter um bom relacionamento com o mundo.


Escrevo tudo isso para compartilhar essa alegria, porque nos últimos dias eu estava com umas histórias meio de desgraças e achei que era bom falar também das pequenas boas coisas (tão surpreendente quantos as grandes merdas) da vida.


[originalmente publicado em 8 de agosto de 2017 no Facebook]


1ª tentativa de ilustrar a minha visão ao nomear o gatinho


2ª (e pode ser que seja a pior) tentativa de ilustrar a minha visão ao nomear o gatinho


3ª tentativa (que poderia ter ficado boa se a resolução da foto original fosse um pouco melhor) de ilustrar a minha visão ao nomear o gatinho




*Grande rede de pet shops.

52 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

N

O fora

Início: Blog2
Início: Inscreva-se
bottom of page