top of page

UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

Foto do escritorKaren Harumi

Treinando espanhol com os estimados argentinos

No começo do ano, quando eu achava que 2020 iria ser completamente diferente, eu havia planejado visitar a Argentina ainda em Janeiro quando fosse trabalhar na fronteira com o país. Na época eu havia me preparado para essa ser a provável única alegria do meu ano - tamanha a minha expectativa para todo o resto de 2020. Eu jamais poderia imaginar que ele pudesse ser tão pior.


Todas as vezes que visitei o país eu vivi algo inesperável, os litros de vinhos ao lado de gansos em Bernardo de Irigoyen, a tarde cinematográfica em Puerto Iguazú, a viagem espontânea pra praia de rio em Posadas, o melhor sorvete do mundo em Santo Tomé, a melhor feira de artesanato e macarrão com funghi que eu já comi na vida em Buenos Aires. NOSSA! Consigo passar três dias contando histórias que envolvam a Argentina, e com essa nova viagem eu esperava gerar contéudo pra passar ao menos mais dois.


Então eu fiquei muito-muito-muito triste quando descobri que o meu então trabalho, mesmo que temporário, havia acabado de vez. Claro que não admiti isso para as pessoas responsáveis do meu círculo social, mas fiquei muito mais triste pela viagem que eu não faria do que pela perda do trabalho em si.


Um longo semestre depois eu estou em um cenário completamente diferente. Outro trabalho, outra vida e a mesma pandemia que eu sinto estar vivendo há 84 anos.


Por coincidência (ou atração mental) eu estou lidando muito com o mercado hoteleiro de Buenos Aires nesses últimos dias. Diariamente converso com alguém de lá, falo superficialmente sobre política e economia, explico o capítulo 11, relembro super espontaneamente alguma boa experiência vivida na Argentina e tento conseguir os acordos que eu tanto preciso.


No começo eu estava me borrando de medo, já não falo bem sobre política e economia em português, então odiei perceber que todos adoravam começar as reuniões com ESSES temas - EM ESPANHOL. MAS, comecei a adorar essas interações quando chegava o momento em que eu podia contar despretensiosamente alguma coisa que me lembro de lá... O espanhol saía como se eu nunca houvesse falado outra língua. E percebi que SÃO MUITAS COISAS MESMO.


Eu amo a Argentina!


Amo como a grande maioria deles costumam ser amáveis e falam tanto quanto eu, o quanto são receptivos mesmo quando querem dispensar! Amo até o fato de 82% deles perguntarem se sou chilena - e o quanto ninguém consegue me explicar direito o porquê. Amo a compreeensão deles, que mesmo quando eu gaguejo, erro, ou me embolo no espanhol, sou motivada a continuar falando. Os chilenos mesmos vira-e-mexe diziam algo como "Você pode repetir em espanhol?", logo depois de eu dar o meu melhor construindo a frase do jeito mais espanhol que eu acreditava poder ser. Amo o quanto eles me lembram os anos 80 - e aí sou eu que não sei explicar o porquê. Amo principalmente o quanto eles possuem um humor reflexivo ao mesmo tempo denso e divertido, mesmo nas conversas mais simples, que mexe profundamente comigo.


E nesses dias, pra me dar mais segurança com o espanhol, eu fui atrás de tudo o que eu tinha de referência da língua de lá...


Que agora compartilho um pouco aqui como agradecimento pelos Argentinos terem trazido leveza pra alguns dos meus dias de trabalho, mesmo sem saber.


Vou começar com os quadrinhos argentinos:


Eu amo quadrinhos, mangá e coisas quadradas (exceto pessoas). Por isso acho bacana começar por aí, princialmente porque, CARA, EU AMO OS CARTUNISTAS DE LÁ. Será difícil falar apenas de alguns, mas vou tentar manter o foco!


Acho que o mais conhecido é o Quino, que fez um trabalho fantástico com a Mafalda. Cheio de crítica social e universal. Por isso mesmo não vou falar muito, é fácil encontrar algo sobre ele e ela por aí. Mas destaco que uma das minhas tirininhas favoritas é dele: uma conversa com a Mafalda e a Susanita, que sempre me lembra da minha amizade com a Bruna Gracinha.



Outro conhecido aqui no Brasil é o Liniers, do Macanudo. De todos é o que mais possuo livros - tanto pela facilidade quanto por apreço. GENTE! ELE É SENSACIONAL! Uma vez, em Posadas, eu jurava que o tinha visto na rua, me senti super cult por reconhecê-lo e segui um moço por uns 15 minutos nessa esperança até o mesmo dizer: "Eu não sou o Liniers."


Ele (o Liniers, não o moço que parece o Liniers) também é dono de uma das minhas tirinhas favoritas, que conheci através da Cintinha. Gosto porque me identifico - não necessariamente em parecer com o Brad Pitt, mas com o fato de que sempre que a luz me favorece não há um ser vivo por perto, nem mesmo as minhas gatas, aí eu destrambulho e esbarro com todos na rua. Gosto ainda mais porque me lembra da Cintia em tempos que ainda nem éramos tão amigas - ela foi a primeira a me mostrar Liniers. E gosto porque mesmo que não houvesse identificação ou lembrança ainda é muito engraçada!! Ah, e gosto porque tem uma montagem que muito poderia ter sido feita no Paint!


"De repente, a luz atingiu o rosto de Gómez de tal maneira...

Que por uns segundos, não mais, sua aparência foi, absolutamente...

BRADPITTESCA.

Infelizmente nesse breve instante, nenhuma mulher olhava em sua direção.

Uma lástima.


'O... Oi senhorita Abercrombie.'

'Oi Gómez...'"


E eu devia ter começado falando dela, porque a acho fenomenal!!!! A minha cartunista feminina favorita do Universo, na verdade talvez ela seja a minha cartunista de qualquer gênero favorita do Universo. AMO AMO AMO A MAITENA. Acho o nome dela super descolado: Maitena Burundarena. Sei que ela tem alguns livros e nem todos são quadrinhos ou com os mesmos traços, mas o que eu tenho comigo é uma coleção que se chama O Melhor de Maitena e na mesma linha tem o Mulheres Alteradas. Amo os traços. Amo como ela ilustra expressões e sentimentos com um exagero extremamente simples. Amo a sinceridade crua e explícita. Amo o tema feminino EM TODAS AS TIRINHAS. Cara, tudo nela é sensacional!


Teve um dia que uma cigana me parou no Largo 13 e estava ávida pra ler o meu futuro. No meio de outras frases ela disse algo como "Você está muito sozinha... Ainda está em busca do amor...", eu era super nova e pensei que se ela dissesse isso pra 10 pessoas aleatórias na rua, havia grandes chances de ela acertar com pelo menos a metade. Não era bem uma revelação muito profunda ou uma previsão imprevisível. Foi aí que dias depois eu li uma tirinha que EU TENHO CERTEZA que a Maitena escreveu depois de passear no Largo13... Ela escreveu várias outras incríveis, mas essa eu jamais esqueci:


"'Hmm... Você está muito sozinha... Necessita urgentemente de... Amor...

Está desesperada para encontrar um homem!'


'...Mas pra saber disso não precisa ler a minha mão... É só olhar a minha cara!'"


E já me preparando para parar de elogiar os cartunistas argentinos, ainda tenho que mencionar o Szoka, também autor de umas das minhas tirinhas favoritas e das histórias do ...Y, viste cómo es! Ele escreve sobre o cotidiano e possui uma arte mais estática. Ele usa muito mais os monólogos do que os diálogos, é algo mais interno por isso. Pra mim ele é como um Woody Allen dos quadrinhos. Amo muito o seu traço e como ele é sucinto. Consegue descrever toda uma situação às vezes apenas com uma frase. Ele escreve muito sobre o óbvio, mas que não sei porque nem sempre é tão óbvio assim!


Além disso ele é muito educado e gentil. Um dia entrei em contato pelo Instagram porque nunca consegui encontrar os livros dele no Brasil, minha esperança era comprar na viagem que não aconteceu pra Buenos Aires no começo desse ano... Mas no final tive a oportunidade de falar com ele um pouquinho e é sempre incrível conversar com alguém que admiramos o trabalho e descobrir que parecem ser pessoas bem bacanas! É outro que como a Maitena e o Liniers eu me sinto incapaz de escolher apenas uma tirinha, mas resolvi colocar aqui a que ficou mais enraizada em mim a ponto de eu viver citando aleatoriamente como se o argumento viesse todo da minha cabeça!


"Para mim, dizer que o amor é horrível porque acaba,

é como dizer que o sorvete é horrível porque acaba."


AGORA, sucinto meeeesmo é o Kioskerman (ou Pablo Holmberg - cada um chama ele de um jeito, eu não sei direito), que muitas vezes não precisa de palavra alguma pra expressar sensações. Ele é o autor de Éden. Muitos dos seus quadrinhos não possuem uma letra sequer e ainda é cheio de emoções.


É super difícil encontrar suas criações pela internet, descobri o seu livro por acaso, na época nem argentino eu sabia que ele era. Não achei a capa grande coisa, peguei o livro meio aleatoriamente e folheei. A primeira tirinha que vi mexeu tanto comigo que comprei o livro somente por ela. Nem quis ver o restante ali, sabia que queria deixar pra um momento que eu pudesse ler com mais atenção. Até hoje é a minha tirinha favorita do livro e uma das minhas favoritas da vida. Gosto do ar de fábula nos seus quadrinhos, gosto da poesia que está em cada traço da imagem. É um quadrinho silencioso, bucólico, poético, profundo e... Tá, PAREI DE BABAR OVO. Mas sério... O livro Éden, o único dele que consegui ler até hoje, é incrível! Eu só tenho a versão em português, que não me ajuda em nada com o espanhol, mas que eu leio mesmo assim, porque me ajuda como pessoa. Se alguém se interessar, a editora no Brasil é a Zarabatana Books.



E pra quem não é muito de ler ou quer treinar mais a conversação do que a leitura e a escrita, tem dois filmes argentinos sensacionais:


Mi Obra Maestra (Minha Obra-Prima) de 2019 foi uma indicação que agora eu nem lembro porque me fizeram, mas sou extremamente grata por terem feito! O FILME COMEÇA MORTO, bem morto, já o assisti umas 4x e em todas eu fiquei meio cochilante no começo, e acho esse começo arrastado bem em sintonia com a narrativa da história, mas ele de repente engata e fica sensacional. As atuações, a história, os diálogos, as veracidade das relações... Sempre que quero pagar de descolada eu indico esse filme aleatoriamente (na verdade talvez tenha sido por isso que me indicaram... HMMMM... Muito porém a pessoa que me indicou seja realmente descolada!).


É uma comédia melancólica com um suspense na medida que eu gosto, que me instiga a tentar descobrir o desenrolar da história sem ficar com medo de qualquer barulho que aconteça na casa. Fala sobre a subjetividade e a construção da arte, que por si só é um tema que eu já acho extremamente interessante. E ainda é sobre amizade... Cara, como eu amo histórias sobre amizades. São tão poucas. E eu amo todas. Mas como eu não sou boa em resumir sem contar tudo, então vou parar por aqui. AH, E A MELHOR PARTE: Tem na Netflix (e aconselho você assistir logo, porque tirando os títulos originais, ultimamente nada dura por mais de dois dias por lá)!!





O outro filme é Un Cuento Chino (Um Conto Chinês) de 2011. Acho que esse já é mais conhecido, até porque tem o Ricardo Darín que um amigo argentino uma vez disse "ser o Tony Ramos da Argentina", porque está em toda produção de lá.


Pra mim o filme tem um dos melhores começos: quando uma vaca cai do céu num barco sobre uma moça que estava prestes a ser pedida em casamento pelo chinês que eventualmente vai parar na Argentina. Confesso que só resolvi ver esse filme pela surrealidade dessa premissa - QUE FOI BASEADA EM FATOS REAIS (e pelo que o Google me contou - MAIS DE UMA VEZ, isso mesmo, MAIS DE UMA VACA JÁ CAIU DO CÉU! Uma na Rússia em 97 que acertou um barco pesqueiro japonês, que acredito que foi a notícia que inspirou o filme e outra em Minas Gerais em 2016!! NOSSA MINAS GERAIS). Uma baita sinergia com a criação do livro A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água do Jorge Amado! Adoro como às vezes as coisas mais malucas de uma história são as mais reais. E o filme é muito bem atuado, com personagens que poderiam ser extremamente caricatos, mas são completamente críveis.


Como Mi Obra Maestra, começa melancólico e arrastado, e então as coisas ganham um pouco mais de movimento e ficamos envolvidos com a amizade que começa a ser desenvolvida e contada na história (SIM, É MAIS UM FILME SOBRE AMIZADE, eu já disse que amava todos eles). Tem uma repetição e um humor muito inteligente e irônico. É um filme um bocado mais lento, mais silencioso, uma comédia mais sutil, não aconselho assistir depois do almoço com o sol batendo no rosto nem muito próximo do seu horário costume de dormir.


Foi o primeiro filme que me fez ver o quanto os argentinos são geniais! E como retrata a comunicação entre um argentino e um chinês, acaba sendo até um bocado didático pra quem quer treinar o espanhol. Infelizmente, até o momento que estou escrevendo, não tem na Netflix, nem Amazon Prime ou Globo Play. Tem porém no Youtube na versão clandestina com uma qualidade baixa e sem legenda que foi a que me ajudou nesses dias.



PRONTO!

Obrigada Argentina, obrigada argentinos.


Cálidos saludos,


Karen Harumi

169 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Início: Blog2
Início: Inscreva-se
bottom of page