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UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

O famoso Carnaval de Piquete

Atualizado: 27 de dez. de 2021

Fevereiro. Em breve eu começaria o 2º ano na faculdade.


Eu ainda não sabia, mas de todos os anos da faculdade, o 2º foi o melhor. Fazia um ano que eu havia saído do interior para a capital e finalmente me sentia confortável com os novos ambientes e as novas pessoas. Já tinha formado meu grupo de amigos, turma certa para fazer os trabalhos, turma certa para ir às festas, as disciplinas eram mais desafiadoras, ainda não havia chegado a pressão do TCC e, pela primeira vez, EU SERIA VETERANA!!!


Eu estava empolgada com a cidade, com as pessoas, com o curso, com a mudança na minha vida e foi nesse clima que voltei à Lorena, minha antiga cidade no interior, no carnaval daquele ano.


Lorena tem uma cidade vizinha ainda menor chamada Piquete, da qual a minha tia sozinha era praticamente toda a Secretaria de Turismo e responsável pelo carnaval da cidade. Como eu e a minha irmã estávamos panguando em Lorena, ela nos convidou para conhecer “O Famoso Carnaval de Piquete”, “a melhor festa do ano”, que até então eu não sabia, mas era mesmo muito popular e aguardado por várias pessoas da região.


Eu não estava muito animada para ir, mas uns colegas do colégio haviam me convidado para a mesma festa de Carnaval, o que considerei uma conveniente coincidência e talvez um sinal de que sair fosse uma boa ideia.


Mal havíamos chegado à festa e eu percebi que havia uma movimentação suspeita e ligeiramente desagradável no grupo para que eu sempre ficasse próxima do mesmo amigo. A recorrente “coincidência” de sempre acabarmos somente nós dois andando juntos no final do grupo era bem forçada, mas eu estava tão empolgada falando da cidade grande, da universidade, das pessoas novas que havia conhecido que só caiu a ficha quando só sobramos eu e ele sozinhos atrás de um carro.


Tentei da forma mais delicada possível sair daquela situação sob o pretexto de procurar as outras pessoas. Eu estava sem graça com tudo aquilo, ele tinha sido legal comigo até então e eu tinha receio que fosse rude verbalizar o “não quero”, mas isso foi necessário quando ele começou a me explicar porque eu estava tão afim dele. E finalizou com algo meio “[...] o que eu mais gosto em você é esse seu jeito quietinha, tímida...”. Pois é, o que ele mais gostou em mim é algo que eu nem sou! Meu querido, não era timidez, era desinteresse. Daí em diante, “coincidentemente”, não ficamos mais sozinhos no mesmo lugar ou para trás do grupo e ele fingiu que toda aquela situação foi coisa da minha cabeça. Eu me senti bem desconfortável e em um momento quando foram fazer algo aleatório eu sumi na multidão.


Estar sozinha havia me deixado bem feliz e surpreendentemente eufórica. Com a solitude comemorada, resolvi procurar a minha tia e a minha irmã e ajudá-las como havia prometido; o momento parecia propício para isso, mas em 10 minutos o serviço havia acabado e a minha tia falava “Vão lá aproveitar a festa com seus amigos”.


Que amigos?

Eu não queria explicar para elas o que havia acontecido.

Fiquei um pouco com a minha irmã, mas ela encontrou os amigos dela.


Depois resolvi peregrinar sozinha pelo evento em um tempo que parecesse suficiente para uma “interação com amigos”. Decidi tomar um refrigerante em uma vendinha improvisada com um toldo minúsculo. Eu reclamava do espaço apertado mentalmente quando uma chuva muito forte começou a cair e naquele espaço já limitado entrou alguém conhecido. Ele já estava ensopado, mas debaixo do toldo tentava manter seco o pouco do que não estava molhado nele. Eu sorri. Ele sorriu e veio na minha direção, que seria o equivalente a meio passo para a esquerda dele.


“NOSSA! VOCÊ POR AQUI?!”

Ele estava com um sorrisão trincado que me fez rir antes de responder:

“Sim, eu ainda estou surpresa com isto também!” Nessa época eu não saía muito.


“QUANTO TEMPO! JAMAIS IMAGINEI QUE IA TE REENCONTRAR AQUI! NO CARNAVAL! EM PIQUETE! CÊ TÁ PEGANDO CHUVA... VEM MAIS PRA CÁ! JÁ TO TODO ENCHARCADO MESMO! VOCÊ AINDA TÁ SEQUINHA!” Ele gentilmente trocou de lugar comigo, ficando mais próximo da chuva e me deixando num espaço que parecia que estaria mais seco, mas por causa do vento estava igualmente molhado. E continuou “QUE CÊ TÁ FAZENDO AQUI?”.


“Sim! Muito tempo mesmo, né? Vim ajudar a minha tia, mas não tem muito o que fazer... Aí estou andando sozinha, mas minha irmã veio também e tinha um pessoal lá do colégio que eu já desencontrei.” Eu e ele havíamos estudado juntos e ele os conhecia.


“QUE PESSOAL? A JAQUE TÁ AQUI TAMBÉM? QUER PROCURAR SUA GALERA?” Expliquei quem era a galera que eu havia desencontrado propositalmente e que não conheciam a Jaque, para infelicidade deles. Poeticamente a chuva virou chuvisco e sentamos num banco da praça tão molhado quanto a gente para continuar a conversa.


Ele tinha acabado de passar no vestibular. Comentou da mudança que estava planejando para Viçosa, a cidade que ele havia escolhido estudar. Já estava com tudo decidido e encaminhado. Viçosa era uma opção certa, pois ele já havia passado no resultado final e a sua segunda opção, São Paulo (na mesma universidade que eu estava, mas outro curso), o resultado estava para sair em alguns dias. Mas, mesmo se passasse em São Paulo, ele disse que não tinha intenção de ir para uma cidade tão caótica. Foi quando eu intervi... Era a brecha perfeita para eu falar do assunto que eu mais gostava de conversar na época.


“...Eu também não gostava de lá! Até me mudar e ver que São Paulo é incrível mesmo com o caos!” Eu estava maravilhada e fortemente apaixonada pela cidade. Eu a assimilei com a independência que aquela fase da vida me propôs e amenizava os seus defeitos.


Mas ele queria Viçosa.


“Você precisa ir pra São Paulo!” E eu repetia isso a cada 5 segundos com argumentos que para ouvidos racionais não teriam nenhum efeito, mas para os ouvidos dele de alguma forma pareciam super coerentes. Talvez fosse o álcool e com a tarde virando noite ele parecia acreditar nessa afirmação, o que me incentivava ainda mais a repetir essa frase.


“Sério! São Paulo é incrível! A universidade é incrível! Sempre ter algo para fazer é incrível! A dor no pescoço para ver as luzes da cidade que atingem mais de 100 metros de altura é incrível! Pegar trem abarrotado de gente é incrível! Ter Mc Donald’s e Burguer King a cada esquina é incrível! Falar mal do Mc Donald’s e Burguer King é incrível!! Poder debater qual dos dois é melhor é incrível!!”


E foi falando de hambúrguer que ele se lembrou do lanche que ele havia deixado em uma árvore. POIS É! ELE ESQUECEU UM HAMBURGUER EM UMA ÁRVORE!


“Como você esqueceu o lanche em uma árvore?!”


“Ah, eu sempre faço isso quando venho pra cá! Tem um vão na árvore que parece um buraco que cabe certinho o lanche, que eu sempre guardo lá e ninguém acha.”


“Mas por que você guarda um lanche na árvore?!?!?!?!” Eu ainda não entendia.


“Ah, é porque eu sempre compro num carrinho de lanches que é super gostoso, mas vive cheio. Então quando venho pra cá, eu chego, aproveito que ainda não tá tão movimentado, compro o lanche e guardo na árvore pra comer só quando estiver com fome! E é bom que mesmo quando chove, ó (ele mostrou o hambúrguer embrulhado no saquinho), o lanche continua seco PORQUE É UMA ÁRVORE! Fica protegido mesmo! Quer provar?”


Quando ele me ofereceu pensei se a minha curiosidade era maior que o meu bom senso que julgava negativamente aquela metodologia de armazenamento de alimentos, apesar de ter achado genial. Por fim, a minha curiosidade era muito maior, eu realmente precisava saber quão saboroso era aquela hambúrguer para valer a pena toda àquela estratégia alimentar.


Conversamos sobre várias outras coisas da vida enquanto dividíamos complementarmente o lanche dele e o meu refrigerante, mas sempre acabávamos falando como era bacana a gente ter encontrado um ao outro ali. Para sorte dele, eu ainda não usava o termo cósmico, mas com certeza o foi.


No fim encontramos o pessoal que ele estava andando, ficamos ali um pouco com todos dançando, sem nenhuma movimentação suspeita para que ficássemos só nós dois juntos, muito pelo contrário, todo mundo estava sempre tentando integrar.


Com a cidade esvaziando aos poucos, caiu a ficha que eu tinha que avisar a minha tia que eu estava bem. Cheguei com ela já preparando as coisas para encerrar seu trabalho. Dei tchau pra todo mundo e voltei pra casa feliz por ter saído dela. Realmente “O Famoso Carnaval de Piquete” foi a melhor festa do ano!


Tempos depois ele desencanou de Viçosa e foi estudar em São Paulo. Naquele ano ainda nos esbarramos mais umas três vezes. Contudo foi só um ano depois que nos sentamos no banco de um parque para conversar e ele comentou que os meus argumentos o ajudaram a escolher São Paulo e a nossa universidade, mas não pela argumentação em si, mas pela locutora. Parte da razão dele ter trocado Viçosa por São Paulo estava na esperança de que a gente se encontrasse quantas vezes mais o destino e a gente quisesse e a outra parte era que, de fato, era uma das melhores instituições de ensino do Brasil, “A universidade é bem boa também, Karen”. Na época ele teve que repetir isso umas cinco vezes até eu ouvir essa parte da conversa.


Apesar de ele ter dito muitas outras coisas meu cérebro travou. Na hora tentei não expressar o pavor que me bateu e escolhi processar a situação, o que é extremamente incomum pra mim. Respirei, sorri e decidi aproveitar aquele momento. Até hoje não sei exatamente o que me fez agir assim, mas o fato que ele tinha um dos sorrisos mais incríveis que já vi ajudou pacas, além disso, eu já o amava e mesmo que eu não soubesse disso ainda, deve ter influenciado bastante!


E no dia seguinte acordei com o olho estalado e a mente focada em responder...


“Se eu estou tão feliz, porque eu fico tão apavorada?”


Bom, o amor dá medo. Aliás, “medo” é uma palavra muito elegante para o que eu senti, dá é um cagaço mesmo. Não é uma expressão, é uma sensação. Mexe com o sistema digestório literalmente, cheguei a pensar se as minhas borboletas no estômago tinham ido para o intestino ou se todo mundo sentem elas lá, mas trocam os órgãos na expressão pra ficar mais poético (nada que envolve diretamente o intestino é muito romântico, né?).


Mas o amor também dá coragem. Mudamos sem perceber e de repente abrimos mão de fazer tudo igual para viver algo diferente. Fico feliz por ser assim, pois isso tornou possível compartilharmos alguns poucos, mas significativos, dias incríveis nessa cidade caótica que São Paulo realmente é. Realmente sempre tínhamos algo para fazer. Mesmo que fosse fazer nada, saturados com toda a emoção que essa cidade traz. Comemos juntos vários Mc Donald’s, Burguer King’s e, quando nossas finanças amadureceram um pouco, um dos meus pratos favoritos da vida: Fettuccine ao Medalhão. Andamos nos trens lotados, subimos no topo de vários prédios altos e senti uma alegria única que a gente só sente quando nos permitimos ser amado.


Paisagem linda, Pico dos Marins, 1 sorveteria, 3 habitantes e ainda um famoso Carnaval,

talvez eu não tenha dado o devido valor para Piquete enquanto morava no Vale

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