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UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

Paradoxo pt. I

Atualizado: 19 de nov. de 2019

[21º dia]

Era o último domingo do ano.

Eu já estava acordada desde bem cedinho tentando terminar de ler um livro que eu havia dito para mim mesma que daquele ano não passava. Aos poucos as outras pessoas foram acordando, ao tempo que quando a minha irmã mais velha chegou, a casa já tinha um pouco mais de luz e movimento.

Ela estava bem animada, ofegante, parecia ansiosa quando disse "Trouxe algo pra você!".


"É de comer?"


"Não, mas você gosta tanto quanto. Adivinha! Tenta!! Vai! Não é difícil. Você queria muito! Você tem um na mão agora!" A forma como ela conduziu o "jogo de adivinhação" deixou a sensação de que ela tinha altas expectativas de que eu acertasse (e também de que não tinha muita fé que eu conseguiria com menos informação).


Minha mãe que assistia a cena e sabia tão pouco quanto eu, sorria tanto quanto a minha irmã.


E antes mesmo que eu terminasse de perguntar "Um livr..." ela pulou (de verdade!) berrando "SIIIIIM!!!" e me mostrou com muito entusiasmo, empurrando na minha direção, a capa de um livro com a sombra de um casal em meio a um céu estrelado e uma cidade com luzes acesas no horizonte.


Eu e minha mãe sorrimos automaticamente com a empolgação dela, mas não reconheci a capa e, sem óculos, não consegui enxergar o título. Eu ainda me sentia no escuro.


"Você não conhece?"


No fundo era divertido aquela empolgação toda que vinha dela, combinava com o domingo, combinava com o sol que estava entrando pela janela e eu não queria diminuir a animação que havia entrado no quarto junto com ela, mas também não queria mentir...


"Eu não tô me lembrando..."


"Você não conhece o grande escritor, famosíssimo..." E a Incrível Falta de Memória da Minha Irmã Mais Velha, a entidade que aparece sempre que ela deseja se lembrar de nomes e números, dedurou sua mentira quando ela virou a capa para ler: "...RENIVALDO CORDEIRO!"


"Eu não lembro mesmo. O quê que ele já escreveu?"


"Ué, 'Paradoxo'." E ela apontou para o título do livro. E quando o silêncio estava chegando ela mesma continuou o diálogo."Ta bom, ele não é famoso. Pelo menos ainda. Mas eu falei a verdade quando disse que você queria muito esse presente!"


E como se a empolgação nunca tivesse oscilado no silêncio, ela contou para mim e minha mãe a história que ela havia acabado de protagonizar:


Minha irmã mais velha estava no metrô quando encontrou um casal muito feliz com um livro em mãos. Ela é dessas que repara que você tem um alface no dente sem você nem abrir a boca e não demorou muito para notar que a mesma editora que estava na capa do livro, também estava bem grande na caixa que estava com eles. Tal como o casal, a Editora era Feliz e pra ela isso foi sinal suficiente para se sentir motivada a conversar com duas pessoas que a cativaram sem nem nada falar.

Foi quando ela descobriu que ele próprio era o autor do livro que o casal compartilhava no metrô, o grande escritor, famosíssimo Renivaldo Cordeiro!

Aquele era o primeiro livro publicado dele e isso fervilhou ideias e emoções na minha irmã. Isso a fez se lembrar de mim.

Talvez porque minha irmã me ame, talvez porque era mesmo um sinal, ali estava Eu no metrô com eles, dentro da consideração e da lembrança dela, enquanto meu corpo lia lá deitada na cama sem imaginar quando minha alma iria voltar.


Antes de finalizar a história, minha irmã interrompeu sua própria narrativa:


"Eu tenho uma mensagem para você, Karen."


E de todas as coincidências que a minha irmã viveu naquele dia, esta que vou contar agora é bem pequeninha e ela nem deve se lembrar, mas é a que eu fisicamente presenciei e da qual mais me tocou na hora. Ela disse isso enquanto eu abria a capa do livro e via ali uma dedicatória assinada pelo Renivaldo, e antes mesmo que eu começasse a ler, feliz pela mensagem que ela me trazia, ela me interrompeu:


"Não, não é essa! Bem, essa também, mas essa é a mensagem dele, a minha mensagem é que você é escritora, Karen. Você sabia?"


"Sim, acho que sim, acho que sou. É o que eu quero ser."


"Não, Karen. Estou falando sério. Você é escritora. Só que você é uma escritora que ainda não tem um livro publicado, da mesma forma que um arquiteto que ainda não tem uma casa construída, mas juntas nós vamos conseguir construir os seus sonhos, torná-los reais! Eu vou ser a engenheira do seu projeto! A pedreira ou o que for! Vou te ajudar com isso! Você precisa urgentemente criar um portfólio, um Instagram profissional, um site e escrever nele todos os dias! E se apresentar como escritora! Você precisa parar de falar que você quer ser escritora para começar a dizer que você é uma escritora que quer publicar! É sério, a partir de hoje eu sou sua agente. Você sabia que é a irmã da Gisele Bündchen que cuida da carreira dela?" Minha irmã estava lendo fascinada o livro da Gisele naqueles dias.


Bom, acho que dá para imaginar porque essa é a minha parte favorita de tudo que aconteceu.


...Mas a história no metrô continua...


Quando a minha irmã e o casal descobriram que desceriam na mesma estação, ela aproveitou para registrar aquele momento. Atualmente a câmera do celular dela é completamente simbólica e a esposa do Renivaldo foi quem se encarregou de gentilmente tirar a foto.

Para poder compartilhar o registro, eles finalmente se apresentaram uns aos outros e para a surpresa do autor, assim como um de seus personagens, o nome daquela moça era familiar...


Sim, minha irmã tem o mesmo nome que o amor do personagem principal do livro.


E se não bastasse, depois da leitura pude vivenciar mais algumas outras pequenas coincidências. A cidade em que li o livro todo em uma tarde se chama, assim como o personagem principal, Bernardo (de Irigoyen, mas jamais que a sensatez do Renivaldo daria esse sobrenome pro seu personagem), aqui na fronteira entre o Brasil e a Argentina, na beira de um lago tão belo quanto os descritos no livro.

E foi com um alegria meio sem sentido que nas páginas finais descobri que o autor vem das proximidade da região baiana de Santo Amaro, que não é bem a mesma região que eu vivo, mas que possui o mesmo nome do lugar que me abriga há dez anos em São Paulo: meu estimado bairro que finalmente se conectou com o resto da cidade por metrô, a minha longínqua Santo Amaro.


Sobre o livro, que me surpreendeu e me inspirou de muitas formas, vou deixar para falar tão logo seja possível!


E como diria a Minha Irmã Mais Velha (2019, Instagram):


"Esclareço que o encantamento não vem da frequência, mas de toda a sincronicidade e de sentir com o coração que o mundo conspirou para ter tantas coincidências ao mesmo tempo!"



Esse livro da foto agora ta aqui em cima da mesa do AirBnB que me abriga



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