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UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

Sem coração

Atualizado: 20 de set. de 2019

[16º dia]

Estou atrasada há quatro dias aqui no blog.

A decepção de quebrar um comprometimento comigo mesmo é bem maior do que quando quebro um comprometimento com a sociedade.


Os últimos dias foram extremamente cansativos e exaustivos (isso era para parecer uma redundância poética, mas achei melhor especificar no caso de dúvida) e eu escolhi, em todos esses dias, cumprir com o que me comprometi para com os outros acima do que me comprometi comigo mesma. Aí hoje, quando fiquei envergonhada ao entrar aqui e ver que quebrei com um desafio que eu não precisava nem mesmo ter começado, comecei a pensar "Qual é a lógica dessa escolha?"


E era sobre isso que eu desejava escrever hoje, contudo como eu não consegui chegar à nenhuma conclusão, muito provavelmente porque me sinto sem tempo e não parei para pensar nisso, resolvi escolher contar o que aconteceu no dia 14 de janeiro de 2019, que teria sido o 14º dia de crônica, mas foi apenas um dia em que eu peguei um avião de manhãzinha para Foz do Iguaçu.


Foi um dia bem agitado, pensei em contar o que ocorreu à 0h11 quando o dia ainda estava caminhando para a sua primeira hora. Ou às 0h38, quando eu já devia imaginar os pepinos que viriam mais tarde ou às 3h33 ou às 4h30 ou às 4h57 ou às 5h36 ou às 6h12 ou às 7h12 quando as coisas pareciam que iriam dar certo novamente ou às 19h30 quando deixaram de dar tão certo assim. E, entre tantas outras horas com acontecimentos pequenos e atípicos, escolhi apenas uma, que ocorreu pouco antes das 11h.


Eu estava sentada em um pequena pracinha de alimentação da rodoviária de Foz do Iguaçu, comendo meu lanche, vigiando as minhas malas e também as do meu colega de trabalho que está viajando comigo, quando um moço que estava sentado ao lado se levantou em um pulo, literalmente, pois ele não possuía uma das pernas e todos os seus movimentos de levantar e caminhar exigiam um impulso, e veio na minha direção.


"Me ajuda a levar minhas coisas ali?" Ele apontou para um banco não muito longe com a cabeça.


"Eu sinto muito, mas não posso. Estou vigiando todas essas malas e não tenho como sair daqui, eu sinto muito mesmo." Até então eu sentia mesmo.


"É ali ó." Eu entendi o que ele queria dizer, não era muito longe, mas todo o material do meu trabalho estava sob minha responsabilidade por alguns minutos e eu sabia que poderiam ter soluções melhores que fossem boas para as condições de ambos.


"Moço, eu realmente não posso sair daqui, mas dá para encontrarmos alguém que possa ajudá-lo." Olhei para trás buscando algum outro personagem para entrar na história. A menina sentada atrás de mim pegou o celular correndo e virou de costas e antes que eu conseguisse encontrar outra pessoa por perto ele começou a berrar:


"Você não vai mesmo me ajudar? O que cê acha que vai acontecer? Que que eu vou te fazer?

Eu não tenho perna, mas você não tem coração!"


E ele saiu pulando em direção ao banco sem sua bolsa.


Mesmo depois dessa situação, quando o meu colega de trabalho reapareceu, pedi para que ele ajudasse o moço, que também gritou com ele quando meu colega chegou com as suas coisas para entregar. O moço era bem rude, mas ainda assim eu disse um "tchau" que ele nem ouviu.


"Não precisa se sentir culpada, é mais fácil você não ter coração por causa daquela senhora que você trombou com a mochila no avião do que por causa desse cara aqui." A ironia do meu colega de trabalho já estava começando a ficar mais íntima com a minha rotina de constrangimento.


E então foi assim que pegamos o ônibus que nos trouxe pra cá: a cidade mais quente do mundo: Dionísio Cerqueira. Muito provavelmente eu estou errada, mas a margem de erro é pequena.


Eu não sei porque achei isso relevante de tudo que aconteceu naquele dia, mas me marcou. Talvez pelo susto, talvez pela sensação de verdade. Havia algo na situação que até foi engraçado e a minha intenção inicial era contar desta forma, mas não sei se é apatia, cansaço ou calor, mas a graça deve ter derretido junto com o queijo que esqueci pra fora da geladeira e no final pareceu bem sem sentido contar isso. Ou talvez o sentido esteja exatamente na confusão que foi esse dia para mim, mas você que está lendo, a não ser que seja eu mesma, não tem como saber disso, então terá que se contentar com a ideia de que às vezes é isso, a vida não tem mesmo sentido.



"Desculpa, senhor. Um pássaro roubou meu coração."

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