Eu havia acabado de almoçar com uma das pessoas que mais gostei e o namorado dele, que eu havia acabado de conhecer de maneira inesperada.
Dentro das circunstâncias, achei que deu tudo certo.
Foi divertido.
Após o almoço o namorado dele foi encontrar uma amiga e nós dois fomos à um templo japonês de energização, ou algo por aí. Um lugar sagrado e extremamente silencioso considerando a localização.
É um local onde várias pessoas fazem orações e energizam vários pontos do corpo dos frequentadores.
Fizemos os agradecimentos de acordo com o roteiro que nos entregaram e sentamos nas cadeiras esperando a nossa vez de receber a energização. Pouco depois chegou uma senhorinha, bem senhorinha mesmo, que faria a oração em um de nós. Como era a minha primeira vez, ele me deixou ir na frente.
A senhorinha era um amor.
Usava um relógio digital enorme pendurado no pescoço, que parecia um pouco com aqueles bichinhos virtuais.
Uma das primeiras coisas que ela me disse com os olhos apertados foi "Que bonito. Você tá brilhando, né?"
"É glitter!" Respondi bem empolgada. Eu já havia gostado dela nessa hora!
Fomos caminhando juntas para a outra cadeira e ela falou um pouco sobre o templo e perguntou novamente, bem baixinho porque ali já era o lugar onde faziam de fato as orações "Sua primeira vez, né?".
"Sim." Sussurei.
"Ele te trouxe, né?"
"Sim." Sussurei, de novo.
"Muito bonito o carinho com que ele te trata."
Eu não tenho ideia do que exatamente ela estava falando, porque a maior interação que tivemos ali dentro do templo foi quando ele me advertiu constrangido por eu quase cair em cima de outra senhora enquanto eu me levantava do altar de agradecimento de proteção. Então não a respondi e só sorri.
Ela me ensinou alguns procedimentos de como seguiria a "oração", porque ela era dividida em partes, uma de frente para a senhora e uma deitada de bruço... A nossa parte da oração deitada acabou sendo de costas porque ela era realmente uma senhorinha e tinha dificuldades para se ajoelhar no chão.
Quando ela encerrou a primeira parte, a parte que ficamos de frente uma pra outra, ela falou algumas coisas sobre a oração e do nada, do nada mesmo, perguntou...
"Ele é seu irmão ou seu namorado?"
Eu ri porque no passado outras pessoas aleatórios já me fizeram exatamente a mesma pergunta e eu nunca entendi a lógica de ter que ser irmão ou namorado.
"Amigo."
"Ah... Que bonito, então é isso."
Novamente eu só sorri e não sei se foi a TPM ou as energias, mas tão logo virei de costas eu chorei. Foi um choro silencioso e educado, que eu contive em poucos segundos, mas ainda assim foi o suficiente para eu ter que assumir que havia dentro de mim algum sentimento que eu estava tentando esconder.
Quando acabou, ela falou de novo do glitter, acho que ela gostou de verdade. E depois continuou...
"...Vou te devolver agora, mas volta, viu?" Ela disse olhando em volta de maneira simbólica, porque ela não parecia enxergar muito longe. "Hm... Cadê ele?"
"Ali." Eu disse apontando pro outro lado do templo com ele deitado de bruço no chão.
"Que bom que encontramos o seu marido!"
Se não bastasse o susto de ouvir aquilo, pra ajudar ele acenou de volta, claramente sem ter escutado o que ela dizia.
"Marido!? NÃÃÃO!" Berrei sussurando (dá sim pra fazer isso). "Ele é meu A-MI-GO. A senhora entendeu errado. Somos amigos... Eu acho, né? Talvez colegas. Eu não sei, na verdade, conhecidos com certeza, mas definitivamente ele não é meu marido." Dei uma risada sem graça porque fiquei com medo de ter sido rude.
Ela começou a me direcionar pra fora da área tranquila da oração e respondeu:
"Hm, mas tenho certeza que o laço entre vocês é forte. A espiritualidade é uma coisa muito íntima, precisa de muita confiança e parceria pra compartilharmos com alguém."
"Faz bastante sentido isso que a senhora disse, se considerar que foi o namorado dele que nos indicou pra vir aqui hoje. Eles devem ser bem íntimos."
"Ah, sim... Entendo." E ela fez uma cara de quem não entendia, talvez pensou que havia escutado errado, considerando o histórico da nossa conversa, mas continuou. "Há várias formas de se relacionar com amor e carinho, como vocês têm um pelo outro, e eu tenho certeza que vocês vão encontrar a de vocês."
Esse era o momento ideal para só sorrir mais e agradecer, mas esse não é um dia na minha vida conhecido pelas minhas boas decisões, então eu comecei o meu monólogo:
"A gente... Aqui... Não é carinho. Eu não sei o que é, mas não acho que seja carinho. A senhora achou que tem carinho? Sério? Acho que é educação... Da parte dele, eu digo, e... Falta de bom senso da minha parte." E tão logo terminei a frase, eu pensei que o que eu havia dito pode ter soado um pouco diferente do que eu desejava e atropelei o meu próprio pensamento.
"Mas eu gostei muito daqui!! Falei 'falta de bom senso' por causa dele, não por causa daqui, aqui foi... Foi muito bom! De verdade mesmo!! Eu não esperava que fosse ser bom, mas foi mesmo!” Eu dei um sorriso que ela deve ter achado estranho, mas às vezes eu dou risada quando estou triste.
"...É que eu ainda não sei muito bem o que pensar disso tudo que tá acontecendo. Eu fui muito impulsiva. Achei que ia ser normal, mas caaara, que estranho. A gente só ia comer e de repente estamos aqui! De tudo que eu imaginei que podia acontecer hoje eu realmente não me via num TEMPLO! E olha que eu imaginei coisas bem estranhas... NÃO QUE O TEMPLO SEJA ESTRANHO! Não quis dizer isso. Mas isso tudo é um pouco doido... A gente aqui, desse jeito, não o teeemplo em si e... Ai meu Deus, me desculpa. Eu gostei do templo de verdade."
A senhorinha me olhava com a expressão meio fechada e eu tentei concluir meu monólogo:
"Mas a senhora foi incrível, aquilo de... Apertar nas costas e respirar. É só que eu e ele aqui não é carinho, não é cósmico, eu tenho essa mania de achar tudo cósmico, mas to aprendendo que tudo na verdade é só probabilidade. É só o acaso, eu to lendo sobre isso, por sinal. Muito recomendo, é bem bacana... MAS UM 'ACASO' BOM, eu quis dizer! Foram ótimas energias... Eu tenho quase certeza de que foram as energias que me deixaram confortável para me abrir... Tanto. Muito obrigada." Eu sorri de novo porque eu também dou risada quando fico sem graça.
Ela segurou a minha mão como uma conchinha e disse com uma empatia igualzinha de mestres de filmes da Sessão da Tarde que passavam nos anos 90:
"Você não sabe. Talvez ele saiba e por isso te trouxe aqui, talvez ele não saiba e por isso mesmo te trouxe aqui. Mas ninguém fica na nossa vida por acaso, mesmo que só na memória." Com o dedinho indicador ela bateu na minha testa e sorriu pelos motivos que só ela sabe dizer que a fazem sorrir.
...
E ela tinha razão.
Antes eu realmente não sabia, mas agora eu estou começando a entender.
A importância das pessoas nas nossas vidas está muito além das relações que temos com elas. Não tem a ver com frequência, motivação, interação ou proximidade, mas no fato da existência dessas pessoas transformarem a maneira como nós existimos no mundo.
As pessoas mais importantes da minha vida são as que me ajudaram a ver o outro muito além de mim mesma. E nem ele, nem ela, ficaram na minha vida por acaso.
Nunca vi esse filme (que eu me lembre), mas o Senhor Miyagi é muito importante na minha vida por ter sido tão emblemático na minha infância a ponto de se tornar referência na minha memória de alguém que compartilha a sabedoria com frases de impacto.
E pra minha sorte eu conheço vários Senhores Miyagis (exceto, ainda, o original...)!
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