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UM GOLE DO UNIVERSO

em crônicas

Em 2016 coloquei como uma das metas do ano "Aprender a fazer um bom nhoque", mas foi só no final de 2018 que finalmente fiz um nhoque com cara e sabor de nhoque. Um prato que eu pensei "Eu pagaria por isso em um restaurante. Não pagaria muito caro, mas pagaria". E considerando meus talentos gastronômicos, pra mim isso foi uma baita conquista, que só foi possível porque eu me empenhei muito mais do que nos anos anteriores. Em um mês eu fiz mais nhoques (e tentativas de nhoques) do que a soma de todas as tentativas dos dois anos anteriores. Eu aprendi empiricamente que a repetição constante é um importante hábito para aprendermos a fazer algo que exige técnica, tal como escrever... Que é uma das minhas metas de 2019 :)

  • Foto do escritorKaren Harumi

Tacacára Feliz

Atualizado: 12 de set. de 2020

Se me lembro direito, eu estava desde 27 de Agosto de 2019 trabalhando todos os dias sem folga até a minha chegada em Manaus dia 14 de Outubro do mesmo ano. Aceitei 7 trabalhos paralelos que as datas se encaixaram perfeitamente de alguma forma (isso mesmo, eu não queria usar essa palavra logo no começo da história, mas) cósmica. Foram alguns dias de trabalho em casa, mas a maioria viajando.


Nesse período fui para BH e tive um reencontro mágico com a Lu, fui também para o Rio que nunca me decepciona e sempre me surpreende e, por fim, cheguei no Local Hostel Manaus, que me abrigou por uma semana e me proporcionou amizades que pareciam tão antigas quanto os paralelepípedos da Cidade - muitas, muitas mesmo, por hora não vou conseguir falar de todas, mesmo TODAS tendo tido um momento mágico e especial.


Os dias quase no final dessa saga foram os mais intensos - porque misturavam a sensação de que o meu descanso estava cada vez mais perto, assim como os trabalhos mais tensos.


Meu último "dia" no Rio de Janeiro eu saí de madrugada do Rock in Rio*, onde trabalhei, tomei banho e já piquei mula de volta pra São Paulo. Cheguei e fui com mala e cuia direto pra uma reunião. De lá fui pra minha casa com o Rafael, meu amigo do interior que foi minha visita naquela semana. Apaguei no sofá "arrumando" as coisas pra ele se sentir à vontade; afinal, quer sensação maior de estar em casa do que arrumar a sua própria cama na casa dos outros?


...Eu sei que fui uma péssima anfitriã, mas eu juro que eu não tinha condições físicas nem de existir. Em seguida, trabalhei o dia inteiro nos dias de BGS** à base de energético e, quando acabou, teve a clássica confraternização que eu devia ter recusado, mas não recusei. De lá peguei uma carona pra casa já quase de manhã, fiz a mala em 1h13 (cronometrados) e fui pro aeroporto. Fiquei estalada aguardando o embarque com o corpo já todo comichando, em pé, pra garantir que se eu dormisse a queda me acordaria.


Cochilei no avião e, ainda bem que Manaus é o voo mais longo partindo de São Paulo, porque sem isso eu jamais teria conseguido agir como um ser humano vivo quando cheguei e ainda tive que aguardar mais UMA HORA E MEIA o setor de credenciamento do aeroporto voltar da "hora" de almoço para que eu pudesse me apresentar e acertar alguns detalhes do trabalho que eu faria lá, de pesquisa em aeroportos internacionais.


Quando eu já estava pra ir embora, no finalzinho mesmo, eu me levantei e vi que tinha sangue escorrendo na minha perna... Por sorte, notei que a minha capa de chuva havia impermeabilizado a cadeira e eu não havia deixado rastros do meu crime fêmeo. Eu estava só sono, tensão e cólica. Tentei me despedir nas pressas, mas começou a brotar gente de uns compartimentos secretos querendo me conhecer.


Finalmente, já na hospedagem, fui direto pro chuveiro lavando o que eu havia acabado de descobrir ser a ÚNICA calça que eu tinha pra toda a viagem... Em 1h13 eu lembrei de pegar uma tiara de cabelo (que não usei, porque ele estava curto), um protetor vencido (que eu não sei nem porquê eu tinha), um chocolate semi-aberto (que derreteu em toda minha mochila), mas não lembrei de pegar UMA calça extra.


No momento em que consegui me deitar na cama, já estava escurecendo - só não sei se pela minha visão turva ou o dia.


E então, uma voz suave e tão correta invadiu o meu sonho narrando acontecimentos em uma floresta. Fazia muito tempo que eu não sonhava algo - ainda mais com narração. Haviam duas meninas e um menino que caminhavam no meio de árvores super coloridas e às vezes interagiam com a narradora. Notei que a narradora estava sentada em um galho frágil no alto da minha cabeça, de onde explicava tudo o que acontecia ali na minha frente, mas nunca me olhava.


Eu gostava de como ela falava uma gramática literária rebuscada e surpreendentemente linear, sem grandes oscilações na entonação, mesmo pra narrar sentimentos profundos. Era algo quase robótico de tão impecável. Era bem gostoso de ouvir, mas a fome me acordou...


Quando levantei eu reconheci a narradora dos meus sonhos sentada na parte superior da beliche que eu dormia. Percebi que o sono e o cansaço reproduziram dentro da minha mente uma interpretação psicodélica de um momento real. Ao que tudo indica, sou enxerida até dormindo escutando a conversa alheia, mas eu estava com vergonha de admitir isso e só dei um "Oi" com a minha melhor cara de "juro que não sonhei com você, moça desconhecida".


Quando nos esbarrávamos eu torcia pra que ela contasse aleatoriamente a história do sonho pra eu poder confessar que já sabia. Estava desesperada pra ser sincera. Eu me sentia escondendo algo com um conhecimento que não me pertencia. Era algo íntimo e eu não deveria saber sem ela realmente querer me contar - diretamente - ao vivo - não em sonho. E por isso mesmo a probabilidade disso acontecer era mínima.


Mas no final sempre sorríamos uma para a outra e no máximo nos cumprimentávamos, o que contribuíu para a minha surpresa quando ela me convidou para ir no Teatro Amazonas, logo atrás do nosso hostel, a construção mais bonita de Manaus, que eu estava super curiosa pra ver como era por dentro - e continuo, pois não conseguimos entrar.


Veríamos uma apresentação gratuita de noite que precisava chegar com antecedência para retirar os ingressos. Como eu tinha a tarde livre, aproveitei para ir com o Aiden, outro amigo que conheci no hostel, lá no MUSA, um jardim botânico longe pra xuxu. Tudo estava conforme o cronograma, até que na hora de ir embora, com o parque fechando, a internet resolveu não funcionar e ao invés de voltamos de Uber, pegamos um ônibus local.


Eu gostei muito de Manaus e de tudo que vivi lá, mas houveram momentos em que me senti um pouco insegura. Esse foi um deles.


O Aiden não parava de falar alto e risonhamente aquele inglês americano e eu implorando pra ele ficar quieto pra passarmos despercebidos pelos olhos das pessoas depois que duas delas, em momentos diferentes, vieram nos alertar que ali talvez não fosse um bom lugar para estarmos naquela hora; e quando avisei o Aiden, aí que ele berrou mais alto e feliz "Ah, que povo amigável! Muito gentil virem nos avisar! Como que eu os agradeço em português?".


Felizmente chegamos bem no hostel, com ele rindo e eu atrasada.

Ambos extremamente suados, ele de calor e eu de tensão.


A Elle, a narradora dos sonhos, ainda me aguardava, serena e linear - bem diferente do Michael, um amigo inglês que fiz no hostel e que eu havia convidado para ir com a gente. Ele já estava dentro do teatro, enquanto a gente aguardava na fila - POR TODA A ETERNIDADE. Chegamos muito perto da porta, mas nunca entramos - porém isso não foi ruim. No fundo eu gostei.


Aproveitei pra me desculpar por roncar, falar dormindo e chacoalhar a cama: que deve ser algo ainda mais vigoroso pra quem compartilha a beliche acima de mim. Se ela fosse como eu, teria pesadelos horríveis com terremotos e monstros brigando em línguas desconhecidas.


O que pra sorte dela não era o caso e descobrimos que uma das poucas coisas que temos em comum é que ela também é escritora da vida cotidiana e isso nos deixou ainda mais próximas.


Quando enfim desistimos da fila, comprei meu saudoso chopp de trigo ao lado do teatro no Tambaqui de Banda*** e conversamos sobre cabelos, sobre Manaus, sobre o pessoal do hostel, sobre os perrengues do dia com o Aiden, sobre como não custava o Michael ter aguardado CINCO MINUTINHOS (apesar de hoje eu saber que custava sim, porque no final, ainda não sabíamos, mas por cinco minutos ele assistiu a apresentação e a gente não) e...


...Então ela narrou, mais uma vez, a história que eu sonhei.


Há nela uma humildade nos gestos muito difícil de explicar. Uma sinceridade inesperada e uma calma que eu nunca tive, nem dormindo. Tudo nela é suave.


Ela só não é poesia, porque é cheia de palavras. É uma crônica em cinesia.


E eu não quero romantizar o meu atraso, mas me foi inevitável pensar que "...Até que todo aquele sufoco e correria não foi de todo mal... Depois que tudo deu certo, que nada de ruim realmente aconteceu, eu só consigo concluir: Ainda bem que levei aquela exata quantidade de tempo para chegar no hostel! Que tudo foi exatamente como foi! Já pensou se tivéssemos entrado no teatro e nunca existisse toda essa conversa?".


Foi ali que viramos amigas.


 

Pouco depois, saindo para trabalhar, o Gustavo que estava morando temporariamente lá no hostel soltou com o seu sotaque de algum lugar do miolo do Brasil um "Olha se não é a menina do tacacá..."


Eu sorri achando que era sobre a comida que eu consumia em quase todas as minhas refeições do dia, até que ele terminou a frase "...Do tacacára feliz!"


...E olha, sem querer defender a piada, mas eu tava mesmo! :)


Que fome que me deu editar essa foto no Paint.





Blog da Elle:




Visão (incrível!) da Elle sobre esses mesmos dias


No blog:


No Facebook:


No Instagram:





*Rock in Rio: Festival de música.

**BGS: Evento de jogos eletrônicos.

***Deixo aqui a recomendação do Nhoque de Tambaqui ao molho de Tacacá de lá, um dos meus nhoques favoritos!

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